O filme Divino Amor, de Gabriel Mascaro, trata de um futuro em que o Brasil se transformou num país evangelizado. Não é mais o Carnaval, a grande festa, mas uma rave em louvor ao Senhor. Uma alegoria recheada de neon, canções evangélicas, personagens inocentes e conformados, onde quem ganha sempre perde.
Uma crítica ácida que reflete a sociedade nos dias atuais.
Nessa religião evangélica futurista é liberado transar com quem quiser. Porque aos olhos de Deus dividir é um ato de amor divino, só é proibido ejacular dentro de uma mulher que não seja a esposa. Ou seja, sexo grupal pode. Desde que na hora H goze com o parceiro sacramentado sob a benção divina.
Uma loucura, não?
Em certa medida, há uma influência de Pasolini no longa. Ele faz a crítica ao Estado, à religião, às pessoas com suas redomas, como um sistema autoritário, mas que num fundo há uma hipocrisia e o sexo é a única coisa verdadeira e libertadora.
O conflito principal é que Joana (Dira Paes) tenta ficar grávida e não consegue, surgindo questionamentos na sua crença em Deus.
Além da fé e a pressão pela maternidade, os questionamentos sobre o aborto perpassam entre linhas.
A direção de arte e a fotografia estão impecáveis.
Mascaro segue firme na direção de desmascarar os nossos conflitos internos.
O ponto que incomoda é a narração em off de uma criança para explicar fatos. Tudo que se torna didático perde o brilhantismo.
Não é o melhor de Mascaro, Boi Neon é absurdamente genial, mas acrescenta na filmografia do diretor mais um filme contundente.
Aliás, é bom avisar aos desavisados, não é um filme evangélico.
No começo de julho, a temporada de lançamentos nos cinemas do Brasil foi marcada pela a estreia de “Homem Aranha de volta ao lar”, “Meu Malvado Favorito 3”, “Mulher Maravilha” e “A múmia”. Somados, estes quatro títulos ocupam quase 75% das salas de cinema. Independente da qualidade dos filmes, o que chama a atenção é a força do lançamento. Quase ¼ das salas estão ocupadas pela a história do jovem aracnídeo. Como disputar a venda de ingresso se as estreias brasileiras ganham apenas um horário em alguma sala e muitas vezes fora do horário nobre? Para o cinema brasileiro alcançar voos mais altos não só basta vontade, é preciso decisão política de mudar o status-quo.
Foi tentando resolver tal distorção que a Ancine, no período em que o Brasil gozava de auto-estima, distribuição de renda e desenvolvimento, elaborou um projeto para ampliar o número de salas de cinema para dar vazão à nossa produção cinematográfica. Já que, em tese, quanto mais salas, mais distribuição, mais exibição, mais democracia nas telas.
Porém, isso não é fácil. Os grandes distribuidores e exibidores sempre deram preferência aos blockbusters americanos. Por isso, os grandes complexos localizados nos Shoppings nunca incluíram filmes nacionais, exceto as comédias globais, e mesmo essas em total desequilíbrio. Ou seja, a luta da Ancine de dar alternativa de exibição além dos grandes complexos de exibição é a mesma do pequenino Davi contra o gigante Golias.
A recente SPCine também fez um projeto para distribuir filmes nacionais em circuitos alternativos, como CEU’s, Cinemas de Rua, Associações, entre outros. O motivo é sempre o mesmo, despertar no espectador brasileiro a vontade de assistir filmes com outra linguagem, independentes, e alimentar o (sonho) de ampliar o gosto do público para as nossas produções.
Mas não é fácil competir com uma indústria. Os americanos pensam num filme como calça jeans, celular, computador... Um filme é uma mercadoria.
Se procurarmos na história do Brasil, vamos encontrar inúmeras vezes que o governo americano pressionou o país para inibir qualquer política que valorizava as produções brasileiras em nossas salas de exibição. Teve até um episódio em que um representante norte-americano disse que não mais importaria as nossas laranjas se não aumentássemos as exibições dos filmes americanos.
Ocupação cultural é uma forma inteligente de se colonizar um povo.
Por outro lado, no Brasil temos uma semi-industria, que avançou muito no último período. Nos 14 anos de governo popular, criamos uma produção robusta, mas ainda sem uma visão estratégica de ocupação, ficando muito sobre os ombros da própria Ancine.
E o que acontecerá agora, com um governo sem legitimidade, com um Ministério da Cultura à deriva e uma Ancine que, nesse contexto, está fragilizadas e provavelmente não mais vai poder atuar de forma autônoma?
Bem, como dizia um ancora de tv: as imagens são dramáticas.
Mesmo assim, o cinema brasileiro vive. No mesmo começo de julho estreiou – em pouquíssimas salas – “Os pobres diabos”, de Rosemberg Cariri; “SoudTrack”, da 300 ml; “As aventuras do pequeno Colombo”, de Rodrigo Gava. Além de outras estreias pelo Brasil. E se tudo der certo, eles ficarão em cartaz por míseras duas semanas.
Fazendo uma conta simples, os “primos pobres das salas de cinema no Brasil” – se for mantida a media de 20 expectadores por sessão, em uma sala, por duas semanas – terão levado 280 pessoas aos cinemas. Já o Homem Aranha com 660 salas, 4 horários diferentes, com os mesmos números de pessoas levaria quase 1 milhão. Se ainda contarmos com a forte publicidade para a divulgação do filme, a política americana no cinema, e a dominação cultural que vem de quase um século, esse número passará de 3 milhões.
Ou seja, ou a gente toma uma atitude contra a picada do Aranha, mantendo as políticas e projetos desenvolvidas pela Ancine ou I like American bullshit.
Você tem fome de quê? Você tem sede de quê? O filme “Fala Comigo”, do diretor Felipe Sholl, fez eu
me lembrar da música dos Titãs, com suas perguntas e aquele eterno desejo de saciar as nossas vontades.
Ambientado nas crises existenciais da classe média temos uma trama bem costurada que fala de um amor “quase” impossível, que perturba e levanta questionamentos, oxigenando o gênero romance no cinema brasileiro. Na história, o jovem de 17 anos, Diogo (Tom Karabachian), vive ligando para as pacientes de sua mãe, a psicóloga Clarice (Denise Fraga). Ao ouvir suas vozes, ele se excita e se masturba. Em uma das vezes algo sai do controle e ele acaba se aproximando de Ângela (Karine Teles), uma paciente de 40 anos, recém separada. A partir daí eles vão viver um grande amor. O filme tem causado polêmica por onde passa, algumas pessoas enxergam como pedofilia, outras uma relação abusiva. Mas como dizem alguns psicólogos, não há pedofilia, e se tem abuso na relação fica evidente que não parte da mulher mais velha e experiente, mas sim do garoto. Parece que Sholl previu esses questionamentos e brilhantemente construiu um clímax tenso e interessante no diálogo entre Clarice e Ângela quando ela descobre que seu filho está tendo um caso com sua paciente. E vem uma reflexão: Um profissional pode suportar este profissionalismo quando ele é confrontado com algo tão pessoal? Isso dá um bom debate. O filme também aborda a solidão com muita ênfase. Ela aparece representada pela masturbação, abandono, desgaste conjugal, na personagem mirim, a irmã caçula de Diogo, que mesmo tão menina já carrega tantos medos mostrando que não é tão fácil se tornar adulta nesse mundo complexo e ficar sozinha. A interpretação de Karine Teles é brilhante, aliás, ela vem abocanhando prêmios por onde passa. A estreia de Tom no cinema também é promissora e Denise Fraga mostra por que é uma atriz completa. Um ponto fraco é o pai de Diogo, interpretado por Emílio de Melo. Parece que o diretor não conseguiu encaixá-lo na trama e vai abandonando-o pelo caminho. O filme tem uma bela montagem, a câmera ágil, fotografia e som afinadíssimos, tudo para deixar a obra impecável. Felipe Sholl opta muitas vezes pelo uso das cenas minimalistas, evitando explicar demais, isso ajuda muito no ritmo. Hoje podemos dizer que temos um leque de filmes tão consistentes e belos como os argentinos. Os nossos hermanos caíram no gosto dos brasileiros, principalmente se tem Ricardo Darín no elenco. Mas a nossa recente safra não fica a desejar nada a ninguém, temos “Aquárius”, “Casa Grande”, “Que Horas ela Volta”, “O Palhaço”, uma infinidade de filmes interessantes. E, ainda sobre a música dos Titãs: “a gente não quer só dinheiro, a gente quer dinheiro e felicidade”... mesmo com pouco grana, “Fala Comigo” fala para todo mundo que o cinema brasileiro é possível.
Foram 10 anos mexendo no roteiro até que Felipe decidiu colocar a mão na massa para a realização do seu primeiro longa. É um filme de baixo orçamento, cerca de 900 mil reais, todo ele feito através do Fundo Setorial do Audiovisual, e muito envolvimento da equipe.
E terminaram as “férias de julho”. Sempre nesses períodos, no meio ou no começo do ano, os distribuidores e exibidores programam as estreias de filmes infanto-juvenis para atrair a garotada. Super-heróis como Homem Aranha e Mulher Maravilha; as sequencias de “O Malvado favorito – 3” e “Carros 3” e o violentíssimo “Transformers” monopolizam as salas, ficando pouco espaço para as nossas produções. Mesmo assim, tivemos duas estreias no gênero: “As aventuras do jovem Colombo”, de Rodrigo Gava e “D.P.A. – Detetives do Prédio Azul”, de André Pellez.
Não é de hoje que o cinema brasileiro realiza obras para os pequenos. Aliás, o retorno para os exibidores sempre foi excelente. Se pegarmos os 30 filmes nacionais de maior público na história do cinema brasileiro, vamos ver que 15 deles foram feitos para o público infantil.
Os Trapalhões cravaram 14 obras neste seleto grupo. Aliás, os maiores fracassos do Didi e sua turma ultrapassaram a marca de 1,5 milhão de espectadores, o que seria sucesso para muito filmes nacionais. O outro filme que compõe a lista é “Lua de Cristal”, no auge de Xuxa, dirigido por Tizuka Yamazaki.
Se existe um potencial para filmes infanto-juvenis brasileiros, porque não há uma frequência nessa produção? A resposta não é simples. Primeiro, competir com as produções americanas é difícil. Uma animação americana custa em torno de 100 milhões, investimento bancado pelo setor privado. No Brasil, não há uma cultura de investimento na produção do audiovisual, os recursos financeiros são praticamente todos provenientes dos editais e fundos de investimentos que ficam aquém do necessário.
Depois, tem a concorrência desleal com as cópias dos filmes. No geral, ninguém no Brasil se arrisca a fazer mais de 30 cópias. Os americanos chegam aqui com 3 mil. Além disso, as produções de Hollywood associam seus filmes a produtos para comercializar como atrações em parques, canecas e pipocas promocionais, bonequinhos em fastfood e tantas outras estratégias de licenciamento e marketing que nos dá uma lavada.
Ainda assim, nossos cineastas ainda tentam produzir obras com conteúdos bacanas para ganhar o gosto da garotada. A safra foi fértil na última década. “Eu e o meu guarda-chuva”, “O grilo feliz”, “O menino no espelho”, “O menino e o mundo”, a trilogia da indiazinha “Tainá”, a “Turma da Mônica”, “O segredo dos diamantes”, e muitos outros, porém, o limite de salas e toda cultura da cadeia cinematográfica – já dita aqui, dos distribuidores e exibidores – acaba descartando a nossa produção neste gênero.
A saída encontrada para o audiovisual do universo infantil se deu graças a Lei 12.485, uma luta dura que a Agencia Nacional de Cinema e muitas organizações do movimento social encamparam para garantir uma cota mínima de conteúdos nacionais nos serviços de TV por Assinatura. Com isso, alguns canais abraçaram a ideia e passaram a exibir em suas grades desenhos e series voltados para a criançada, como o sucesso de “Peixonauta” e “Brichos”, só para citar dois.
Detetives do Prédio Azul chegou às telonas graças ao sucesso da série na TV paga. Porém, mesmo que esteja nos grandes complexos cinematográficos, seu espaço fica destinado a apenas uma sala, geralmente as menores. Por isso, é que nestas férias, as sessões do DPA esgotam com duas horas antes de começar o filme, e restava ao garoto ou garota a escolha das duas salas do carrinho McQueen, que nunca enchiam.
Já a animação do jovem Colombo não resistiu há duas semanas, tempo que já se consagrou, infelizmente, como cultura de sobrevivência do nosso cinema no mercado exibidor.
E se o problema não pode ser depositado nos outros, digo sobre a ofensiva dos filmes estrangeiros, nos faltam recursos para a produção infanto-juvenil e todo o seu caminho até a sala de projeção. Inclusive, talvez devêssemos garantir cota de tela para essas produções, mas talvez seja pedir demais.
Bem, mas para quem já foi garoto no final dos anos 70 e ficava encantado com o único desenho nacional que era veiculado na TV, na época do Natal, um comercial de apenas 5 minutos da turma da Mônica e nada mais, percebe-se que avançamos. Muito aquém do que precisamos, é verdade. Mas o cinema brasileiro forte, seja infantil ou adulto, só acontecerá quando afastarmos o fantasma do “viralatismo” que voltou com força. Hoje vivemos num Brasil sem graça, sem a graça dos Trapalhões.
Alguém já disse que a democracia é muito frágil para acompanhar a hipocrisia. Pois bem, Trumbo é um filme que aborda um tempo sóbrio de Hollywood, em que uma chamada “Lista Negra” perseguiu os artistas da sétima arte que eram filiados ou simpatizantes do Partido Comunista dos Estados Unidos da América.
Dalton Trumbo foi um dos roteiristas mais conceituados nos Estados Unidos. Porém, sua militância comunista, no auge da guerra fria, fez com que seu nome caísse em desgraça, encabeçando a lista negra.
Trumbo é proibido de trabalhar e, para sobreviver, ele passa a escrever clandestinamente seus roteiros, chegando a um total de 30 roteiros com pseudônimos. Entre tantos, dois lhe renderam o Oscar de melhor roteiro original com o filme “A Princesa e o Plebeu” e “Arenas Sangrentas”. Além desses, destacam-se “Exodus”, “Spartacus” e “Papillon”.
Os diálogos do filme retratam bem o momento vivido na terra de Tio Sam no período em que eles polarizavam o mundo com a União Soviética. O crescimento do fascismo entre os americanos, do individualismo, o cheque-mate nas instituições políticas, patrulhas ideológicas e o impedimento de democratas e comunistas de conviverem em sociedade.
Quem assiste ao filme, fica com a impressão de que quase 70 anos depois do início da lista negra dos EUA, a chamada caça às bruxas chegou ao Brasil. Um exemplo disso é a lista publicada no blog do jornalista Rodrigo Constantino, onde ele cita uma centena de nomes de artistas que assinam o manifesto pela democracia contra o golpe, e diz para seus leitores não mais seguirem esses artistas, pois são a favor de Lula e Dilma. Uma pérola de hipocrisia, para não dizer idiotice. Claro que comparado à lista dos anos 40 nos EUA, a lista do blogueiro da Veja e outras do tipo são apenas fachadas para o discurso do ódio e da perseguição política.
Se Trumbo recebe um copo d’água na cara na saída de um cinema, a cena nos faz lembrar que andar de camisa vermelha na avenida Paulista é muito perigoso. O discurso da direita brasileira dizendo que o Foro de São Paulo é uma conspiração comunista para tomar de assalto a América Latina, lembra o Congresso Americano que baniu todos os membros do PCA pela mesma tentativa de dominar a América.
Ainda nas comparações, talvez o Juiz Sergio Moro seja o nosso mentor do Macarthismo brasileiro, apurando e perseguindo parlamentares de apenas um campo político, como foi na comissão parlamentar de inquérito da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos formada para averiguar a suposta infiltração de comunistas na indústria de cinema e presidida pelo senador Joseph McCarthy.
Bem, voltando ao filme, mostra que a democracia está sempre ameaçada por uma suposta democracia das elites – Ou como preferir, golpe. Mas o genial Trumbo não desiste dos seus ideais.
Se para os americanos o filme pode ser um recorte da história, talvez para nós brasileiros seja um retrato do atual momento. E o discurso de Trumbo na entrega do prêmio da Associação dos Roteiristas é uma pérola:
“A lista negra foi uma época do mal. E ninguém que sobreviveu a ela, passou ileso pelo mal. Pego numa situação que saiu de controle como meros indivíduos, cada um reage a sua natureza, suas necessidades, convicções, e às circunstancias particulares que o compeliram. Foi um tempo de medo. E ninguém foi eximido. Diversas pessoas perderam suas casas. Suas famílias se desintegraram. E ao final alguns perderam suas vidas. Mas quando você olha para aqueles anos sombrios, como todos deveriam fazer de vez em quando, não vai fazer bem procurar por heróis ou vilões. Não há nenhum. Há apenas vítimas”.
Trumbo é um filme motivador num momento em que forças estranhas preparam um golpe contra a democracia brasileira, que é a grande vítima deste processo. Portanto, sem lista, sem golpe!