Lucas saiu da faculdade mais cedo, por volta das dez da noite. Entrou no ônibus, cheio de apostilas e livros. Pagou a passagem e lhe restaram três reais, dos cinco que tinha.
O caminho era longo.
Lucas dava um duro danado pra sustentar a casa. Saía as cinco da matina pra trabalhar, e só voltava meia-noite.
“Atenção senhoras e senhores. Desculpa eu atrapalhá a sua viagem. Mas é que a minha mãe tá doente e preciso da ajuda de vocês. Não quero roubá e nem matá. Só quero um real, um passe prá comprá leite pros meus irmãos mais novos...” dizia um menino maltrapilho. Mais ou menos dezesseis anos. Isso deixou Lucas sensibilizado, que lhe deu um real.
“Brigado moço, Deus lhe abençoe”.
Uma garoa fina caía e embaçava os vidros do ônibus. Lucas sabe que falta muito para chegar. Se o trânsito estivesse bom, ele demoraria uma hora.
“Olha o salgado, olha o salgado, um real, um real...” Entra um vendedor de biscoito no ônibus.
Pensa em comer um salgado. Pois quando chegar em casa, sua mãe estará dormindo, e ele não queria fazer barulho. Queria entrar direto no quarto e dormir.
“Me vê um”. Diz Lucas. “Deus lhe ajude” responde o vendedor entregando-lhe o saco de biscoito de polvilho.
Faltavam uns vinte minutos para chegar.
Entra um velho com muleta e chorando muito.
“Senhoras e senhores (choro), desculpe eu atrapaiar a viaje dos seis (choro). É que eu tô com essa ferida na perna (choro)”. O velho levanta a calça e expõe uma ferida fétida, enorme, sem contar a hálito de cachaça. “Preciso compra remédio, oiá a receita moço (choro)”. Lucas saca a última moeda e entrega ao velho. Ora por dó, ora para se livrar daquele mau cheiro.
“Deus lhe ajude, moço (choro). Deus lhe acompanhe (mais choro).”
Lucas chega ao ponto. Ainda tem que caminhar uns sete minutos até sua casa.
Ele acelera o passo. A garoa fica mais forte. Na rua, silenciosa, ele escuta suas próprias passadas.
Antes de chegar à esquina de casa, ele vê dois caras. Seu coração acelera. Pressente o perigo. O corpo esquenta. Mas não pode voltar. Tudo esta deserto. Ele segue a caminho de casa.
“Aí mano?” diz um dos caras, portando uma 765 cromada.
“Ninguém que te matá, não! Não samu ladrão de matá, se você passa a grana e os cartão, nóis deixa se ih...”. Ele olha pro outro rapaz, que ri e diz pra não olhar pra ele.
Lucas treme, sente sua pressão arterial alternar.
Não vê ninguém. E fala, com a voz embargada, que não tem nada.
“Tá me achando com cara de otário, mano. Sei que cê trampa e tem dinheiro. Passa logo Mano. To ficando loco, mano”. Apontando o revolver na testa de Lucas.
“Aí, vô se legal com cê”. Então, o cara com a arma na mão propõe:
“Aí, cê é meu passageiro daqui pra lá”. Apontando pra casa de Lucas. “Você me dá um real, só pra pagar o pedágio da vida, senão, pode contar pra conhecer São Pedro”.
Lucas escuta “um”. Lembra da menino. "Deus lhe abençoe".
Escuta “dois”. Lembra do salgadinho. "Deus lhe ajude".
“Três”. Do velho. "Deus...."
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