22.1.13

Carlão Vive!

Reichenbach ganha retrospectiva quase completa na Cinemateca

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Carlos Reichenbach conhecia todas as partes do cinema. Ele podia ser diretor, cinéfilo, crítico, fotógrafo, roteirista, produtor ou animador.
Sabia tanto da sua arte e distribuía tão generosamente seus conhecimentos que, afinal, pouca importância se deu ao que ele fez de melhor: seus próprios filmes.
Por isso, sua retrospectiva, que ocupa de hoje até o dia 17 de fevereiro as duas salas da Cinemateca Brasileira, constituirá, para muitos, oportunidade inédita de conhecer a obra quase completa de um dos cineastas menos valorizados do país.
Serão 14 longas (além dos curtas e de dois filmes de começo de carreira em que dirigiu episódios).
A única ausência é de peso: "A Ilha dos Prazeres Proibidos" (de 1979). No lugar, será possível ver o raro "Sede de Amar (ou Capuzes Negros)" (1978), cuja exibição ele proibia em vida. Trata-se do único trabalho de encomenda, feito para ajudar um amigo.

BOCA DO LIXO
A pouca consideração por Reichenbach deve-se, possivelmente, ao fato de ele ter baseado boa parte de sua obra no cinema erótico praticado na Boca do Lixo, conhecido como pornochanchada.
Editoria de Arte/Folhapress
Já quem não se apegar aos rótulos poderá se surpreender ao ver comédias libertárias, como "O Paraíso Proibido" (1971) ou "O Império do Desejo" (1981), assim como o drama "Amor, Palavra Prostituta" (1982).
Talvez o ponto de plena maturidade esteja na segunda metade da década de 1980, quando filmou o notável e a seu tempo pouco compreendido "Filme Demência" (1986) e "Anjos do Arrabalde" (1987).
Ambos receberam prêmios importantes no Festival de Gramado, tendo o segundo sido eleito o melhor filme na edição de 1987. Os dois longas foram os primeiros a dar ao gaúcho o reconhecimento pleno no Brasil, diga-se.
Antes disso, em 1984, ainda em Gramado --cinéfilos do Rio Grande do Sul impuseram seu filme ao festival, apesar de reticências da Embrafilme--, ganhara prêmio especial "pela integridade da obra" com "Extremos do Prazer" (filme menor, admita-se).
Esse prêmio foi arrancado ao júri recalcitrante (parte dele abandonara a sala durante a projeção) por seu presidente, Walter Lima Jr.

SEM RECURSOS
Na altura em que Reichenbach já começava a ser mais reconhecido na Europa, após ser descoberto por Hubert Bals, o lendário diretor do Festival de Roterdã, o cinema brasileiro sofreu um baque, com o governo Collor.
Reichenbach estudou composição naquele momento e, num trabalho feito quase sem recursos (e acumulando a função de músico), criou "Alma Corsária", filme sobre a amizade, de 1993.
O fim de sua carreira foi marcado pela associação com Sara Silveira, na produtora Dezenove. Foi ali que realizou seus últimos trabalhos, de "Dois Córregos" (1999) ao notável "Falsa Loura" (2007).
A oportunidade única de percorrer essa obra, que a Cinemateca agora oferece, talvez dê, enfim, a medida da integridade, da cultura e do talento implicados por esse autor que cultivou o gosto pelo anarquismo com a mesma paixão com que desprezava os falsos brilhos.

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